Ariovaldo Umbelino critica a PEC 215 e o “sistema integrado de informações”, e alega que o governo federal compactua com a bancada ruralista

Em momento de polêmicas sobre a ocupação das terras e a demarcação de          territórios indígenas, Ariovaldo Umbelino realiza palestra em tom de represália às declarações da Ministra Gleisi Hoffman e à PEC 215     
                                                                                                                                                                        Em uma palestra no IEA-USP, em 11 de maio, Ariovaldo Umbelino, livre-docente em Geografia pela Universidade de São Paulo e um dos maiores estudiosos das questões agrárias na Amazônia, recebeu com revolta as medidas e os projetos recentes relativos à demarcação de terras indígenas.   
                                                                                                                                Segundo o especialista, a história da ocupação agrária na Amazônia se relaciona com a História do Brasil como um todo. O mito de que se trata de um território de grande vazio demográfico que deve ser ocupado para a efetiva defesa do território nacional foi disseminado durante a ditadura militar, e é uma grande falácia. É nesse ambiente que se situam 56% dos indígenas brasileiros, que habitavam e ainda habitam um território com enorme diversidade cultural e biológica. Ariovaldo prenuncia que esses indígenas serão os maiores alvos de perseguições na Amazônia em um futuro próximo, pois o acesso à terra é uma questão central na economia. E é o que se tem verificado nas discussões em pauta na Câmara nas últimas semanas.
                                                                                                                                         A maioria das terras indígenas se encontra na Amazônia e frequentemente tem sido alvo de interesses do agrobusiness. Exemplos recentes incluem a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a ocupação da terra Raposa Serra do Sol pelos arrozeiros.                                                                                                                                                          
                                                                                                                                                                De acordo com a declaração de Gleisi Hoffman, Ministra da Casa Civil, a demarcação de terras indígenas – que até então se realizava com base nos laudos antropológicos da Funai – deve passar a se subordinar também à avaliação de outros órgãos, como a Embrapa, do Ministério da Agricultura. Essa resolução já foi tomada para três estados (MS, SC, RS), e o projeto da bancada ruralista da Câmara é que isso se estenda a todos os demais, sob a alegação do princípio de isonomia.


A Ministra afirmou que esse "sistema integrado de informações" será útil para a demarcação das terras indígenas, pois fornecerá informações com maior precisão do que a Funai, que teria interesses em privilegiar os índios. Seria necessária a coincidência de laudos desses órgãos para que a demarcação se efetivasse.

Além dessa medida, está em tramitação o Projeto de Emenda Constitucional 215, que pretende transferir ao Legislativo (Congresso) a responsabilidade por demarcações e homologações de terras indígenas e quilombolas, que pertence hoje ao âmbito do Executivo e pretende rever até mesmo as decisões sobre territórios cujo processo estava encerrado.

Segundo Ariovaldo Umbelino, o descrédito e a limitação do poder da Funai fazem parte de uma visão do Congresso como detentor de todo o poder, o que feriria a tripartição dos poderes.

Essa análise “integrada” das terras, por diversos órgãos, pode retardar ou até inviabilizar demarcações que já estavam em curso ou que já haviam até mesmo sido concluídas.

De acordo com o especialista, a medida toca a dívida histórica do governo para com os índios, os primeiros habitantes do território, além de ferir a Constituição de 1988, que declara os direitos originários de terra aos indígenas. Segundo o artigo 231, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Além do problema da inconstitucionalidade, Ariovaldo afirma veementemente que não compete à natureza dos trabalhos da Embrapa a demarcação desses territórios no Brasil. Até então, o processo tinha como base profundos estudos e laudos antropológicos sobre a área necessária a um grupo indígena para que este pudesse realizar plenamente sua cultura e sua cosmovisão. “O que a Embrapa conhece para dizer se um território é indígena?”, diz ele. De fato, a função autodeclarada da Embrapa é a de “viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira”, o que não tem relação com avaliar ocupações históricas.

Segundo o especialista, há muitos interesses em jogo, como o direito à exploração de áreas economicamente importantes (vide a região de Carajás, por exemplo, onde se encontra grande quantidade minérios, como manganês, minério de ferro, níquel, cobre, boa parte dos quais em terras indígenas) e o favorecimento da bancada ruralista, que inclui os produtores de cana, soja e arroz, além dos pecuaristas – áreas que movimentam em torno de 500 bilhões de dólares ao ano (dados de 2010).

Ariovaldo foi mais longe: mesmo se declarando um dos fundadores do PT, afirmou que a presidenta Dilma Rousseff tem compactuado com os interesses ruralistas e que,se tudo correr da mesma forma como correu a votação do novo código florestal, os ruralistas levarão novamente vantagem. Ele salienta o descaso da presidenta com relação ao tema, uma vez que o governo Dilma não apresentou nem mesmo plano de Reforma Agrária. “Temos que pedir o impeachment!”.

Aos que argumentam que a bancada ruralista deve ser levada em consideração,em razão da importância do agronegócio para a economia brasileira, Ariovaldo ainda complementou: as técnicas de definição sobre o que é agronegócio são duvidosas. Nos Anuários do agronegócio, por exemplo, são incluídas nesse setor empresas como Carrefour e WalMart. Isso significa que a importância desse setor, nos cálculos, não é tão grande quanto se alardeia. Mais um motivo para se ponderar a influência da bancada ruralista nas decisões do governo. Além disso, a natureza da exploração que ocorre no agronegócio brasileiro também seria condenável, pois não se cumpre nesse modelo econômico a função social da terra, ou seja, a de produzir de modo a preservar o ambiente e por meio de relações de trabalho legais.

Ao fim e ao cabo, ao olhar para a questão por uma perspectiva mais abstrata, o que está em jogo nessa disputa territorial são modos de ver o mundo. Como se bem sabe, os indígenas não se enquadram na lógica do capital e frequentemente sofrem por serem os remanescentes de uma cultura em que o trabalho não era o que dignificava e enobrecia o homem, mas escravizava; e de um modo de produção cujo objetivo não era o acúmulo, mas sim o auto-sustento. É esse grupo que exige um território – não aquele espaço privado, capitalista, individualista, mas sim um território comunitário, de produção para todos das tribos. Do lado oposto, temos uma bancada cujo objetivo é simples e oposto a esse: a produção capitalista sem fim social para o aumento dos lucros e acúmulo de riquezas. Isso resume a onda de conflitos por terras, e resta saber para qual lado penderá o governo federal.


Matéria cedida pela estudante de jornalismo, Amanda Lenharo di Santis

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