Em Quixadá...

Localizada em Quixadá, há poucos quilômetros da sede do município, a fazeda Não-me-deixes era a sombra e a água fresca de Rachel de Queiroz no sertão nordestino

Foi em um inverno que Daniel de Queiroz pegou a primogênita para um passeio pelas terras da família. Saiu da fazenda Junco, cruzou a estação de trem, subiu algumas léguas e vaticinou: ali, no ponto alto do terreno, cercado de pés de pau louro, catingueira, sabiá, juazeiro, Rachel iria construir sua casa. Ergueram-se no exato local os quartos com móveis rústicos de madeira crua; a sala decorada com artigos de barro, uma mesa com toalha branca bordada; e, na cozinha, fogão à lenha, bancos de couro para conversas de pé de parede, e potes d’água da chuva, cheios pela calha de alumínio, arquitetada pela Dona Rachel.

“Tudo dela era assim, rústico, simples”, resume Rosita Ferreira, fiel amiga, adentrando a casa, percorrendo a memória dos cômodos com uma sacola de pães numa das mãos, pães para serem recheados com uma lapa de queijo coalho passada pelo fogo, servidos com cajuína caseira para desentalar. Fartura à mesa era sagrada para Rachel, sempre recebendo os convivas de perto e de longe com a gentileza infalível do nordestino. No parapeito, moradores dos arredores, agricultores, vaqueiros, meninos de pés no chão, políticos, escritores e artistas.

Residente no Rio de Janeiro desde a década de 1940, a estadia na fazenda era destino certo nos tempos de mata vestida. Deixava a seca para a austeridade de sua literatura, sem maiores delicadezas no trato da palavra. “Ela gostava mais de ser chamada de professora e de cozinheira”, avisa Rosita. Rachel chegou, por várias temporadas, a partir o ano em dois e guardar a metade mais livre e tranquila para o sertão cearense. Quixadá era um entreposto de onde enviava suas crônicas, recebia jornais e revistas e comprava mantimentos. Gerenciava a vida através de bilhetes manuscritos que mandava à Rosita prescrevendo as necessidades.

Depois da morte do marido Oyama de Macedo em 1982, as viagens ficaram mais raras, sem nunca se acabarem. Companheiro por mais de quatro décadas e também amante do sertão, a despedida do médico deixou uma algaroba plantada do lado da casa e um pé de tristeza na mulher. Rosita lembra que nas vésperas da morte, Rachel só falava dos parentes falecidos e de já estava tudo preparado para sua chegada. A casa ficou como memória.
(Pedro Rocha/O Povo)/Sertão Central

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