Romeiros Provam Devoção Com Procissões na Madrugada


Canindé. As mãos disputam espaço em meio ao tecido santo. Mesmo com o cansaço da madrugada, os fiéis fazem questão de permanecer junto ao símbolo de devoção.

Muitos rezam e agradecem, alguns até choram. Tudo para estar perto da bandeira franciscana. Às 4h da manhã de ontem, teve início a edição 2009 da Romaria de São Francisco das Chagas, no município de Canindé, a 126km de Fortaleza.

Ainda na tarde de quarta-feira, comunidades rurais de Canindé e de municípios vizinhos organizaram as tradicionais "caminhadas", dos locais onde moram até a Basílica de São Francisco, pelo 24º ano consecutivo. Os festejos foram iniciados em frente ao santuário, com uma celebração eucarística presidida pelo frei João Amilton dos Santos, além do hasteamento das bandeiras e de espetáculo de fogos de artifício. A estimativa da Paróquia é de que cerca de 20 mil pessoas tenham assistido à missa de abertura.

Uma das franciscanas mais fervorosas era a aposentada Margarida Soares Barbosa, de 73 anos, natural de Canindé. Há 30 anos, ela repete o ritual de se postar ao lado da bandeira de São Francisco, segurando-a, ajudando a erguê-la e ficando ali durante toda a missa. "Tenho muita fé. Ele já me livrou da porta da morte", diz, revelando já ter sido atropelada e ter se envolvido em um acidente automobilístico. "Por isso, pago minha penitência: não largar a bandeira enquanto eu for viva. Ano passado, até desmaiei no pé do mastro", lembra, emocionada.

A dona-de-casa Raimunda Íris Maia, de 39 anos, saiu da localidade de Ingá, em Caridade, às 17h de quarta-feira, e só chegou em frente à Basílica depois de 3h30 de ontem. Vestida de franciscana, ela participava da caminhada pela primeira vez. "Meus pés estão doendo muito, mas quero pagar minha promessa", disse, sem revelar a graça alcançada.

Quando é preciso, nem dormir na rua assusta os romeiros. O agricultor Tomé da Silva Dias, de 36 anos, chegou à meia-noite da quarta-feira, junto com a esposa, Ana Paula da Silva, de 28 anos, e Juliane Dias, de 9 anos, todos moradores da comunidade de São Domingos, também no município de Caridade. Deitados sobre pedaços de papelão, eles se protegiam do frio com lençóis. Desde os 10 anos, Tomé repete o ritual de ir caminhando até Canindé, para ver a abertura da romaria. "Todo ano, venho a pé. Comecei a vir com meu pai", explica. "É muita fé em São Francisco", completa a esposa.

Prece pela paz

Durante a homilia, o frei João Amilton destacou que a festa deste ano celebra os 800 anos de fundação da Ordem Franciscana e os 250 anos da devoção ao santo em Canindé. O pároco pediu que os fiéis orassem pela paz. "Somos chamados a externar essa paz nos nossos relacionamentos. A sairmos do comodismo, do medo, das incertezas e fazermos a nossa caminhada, buscando a verdadeira paz", pregou o sacerdote.

Segundo o frei Amilton, a prece segue o tema da festa este ano: "São Francisco, há 800 anos, promovendo a paz" e com o lema da Campanha da Fraternidade: "A Paz é fruto da Justiça". "Vivemos em mundo em que a violência é muito grande, as drogas, a corrupção. Se a humanidade se unisse mais, procurasse praticar mais a solidariedade, com certeza, a gente teria uma vida mais cheia de paz", continuou o frei.

Em dez dias de festa, que segue até o dia 4 de outubro, a organização da romaria prevê a passagem de cerca de 2 milhões de fiéis por Canindé. Amanhã, às 10h, será realizada a 39ª edição da Missa dos Vaqueiros, na Estátua de São Francisco. De hoje até o dia 3 de outubro, ocorrem procissões com o painel do santo pelas ruas da cidade, sempre às 17h30. No último dia, haverá show com o cantor Zé Ramalho, na Praça dos Romeiros, às 20h.

ENQUETE

Por que você veio participar da Romaria de São Francisco das Chagas?

Com um apelo em favor da paz, devotos de São Francisco participaram ontem da abertura da romaria
Maria Amorim
71 ANOS
Aposentada

Estou aqui por uma graça alcançada. Deus me deu uma casa e fiz uma promessa para São Francisco
José Fernandes Ferreira
52 ANOS
Agricultor

Há 16 anos, um médico disse que eu ia morrer, mas me vali com São Francisco e ele não deixou que eu morresse
Maria Ferreira Gomes
84 ANOS
Aposentada

FIQUE POR DENTRO

Realização das caminhadas completa 21 anos

As caminhadas na madrugada que antecede a abertura da Festa de São Francisco têm origem no movimento das famílias de se reunirem para ir a Canindé pagar promessas. Com o passar do tempo, as comunidades foram se organizando e, por meio do rádio, passaram a anunciar para as mais distantes o local, a hora e o trajeto que deveriam seguir até Canindé. Em 1986, sentindo o crescimento das procissões, o vigário da época, frei Lucas Dolle, deu poderes aos coordenadores de Pastorais para motivar e organizar a romaria a pé. Dez anos depois, surgiram os conselhos dos Serviços Fraternos da sede e da zona rural, que passaram a organizar um plano de ação para as caminhadas. Neste ano, foram cinco roteiros de caminhos.

Mais informações
Santuário de São Francisco das Chagas, Praça da Basílica
Canindé, (85) 3343.0774

SACRIFÍCIO DA FÉ

Pagadores de promessas

Canindé.
Viajar por quilômetros de distância, passar horas e até dias dentro de ônibus, enfrentar calor e estradas esburacadas. Nada disso assusta os devotos de São Francisco, que vem de vários estados do País, principalmente do Nordeste, para rezar, agradecer e pagar as mais variadas promessas.

A dona-de-casa Maria Eliete da Silva, de 51 anos, natural de Picos, no Piauí, não segurou o choro durante a celebração. Todos os anos, a devota mandava outras pessoas a Canindé para pagar uma promessa feita por ela, mas desta vez, resolveu ir pessoalmente. "Resolvi vir aqui conversar com São Francisco porque perdi tudo no inverno deste ano", emocionou-se, lembrando das chuvas que castigaram o Estado do Piauí no primeiro semestre de 2009.

Também do Piauí, do município de Pio IX, veio a aposentada Antônia Generosa de Araújo, de 69 anos. Ela segurava duas imagens santas para benzer depois da missa. O objetivo era ofertá-las no túmulo de um rapaz assassinado em frente à casa dela, com oito tiros, há dois anos.

"Ele dizia que eu era uma segunda mãe dele. Vou pedir que Deus lhe dê um bom descanso", explicava a romeira. Da cidade de Paulista, em Pernambuco, a aposentada Luíza Cabral de Andrade, de 71 anos, organizou um ônibus com 52 pessoas. Essa foi a oitava vez seguida que ela participou da Festa de São Francisco em Canindé. Para isso, enfrentou quase um dia de viagem, saindo na terça-feira à noite e chegando no fim da tarde de quarta-feira.

A procura é tanta pela viagem que Luíza conta que as vagas do ônibus ficam esgotadas já no mês de fevereiro. O motivo é que o padroeiro de Paulista também é São Francisco e todos os franciscanos querem estar na festa que é considerada a maior do Brasil em louvor ao santo. Como nem tudo são flores, a visitante reclamou bastante das estradas no Ceará, "cheia de buracos", segundo ela.

A Festa do Padroeiro de Canindé é uma das principais demonstrações do que pregou o próprio São Francisco. Em vida, ele abraçou momentos de sacrifício físico e espiritual para protagonizar as palavras de Jesus, pregadas pelo Evangelho. Muitos romeiros do Nordeste, neste período, fazem o mesmo sacrifício, em difíceis viagens, para vivenciar a fé em Deus.

ÍCARO JOATHAN
REPÓRTER – Diário do Nordeste

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