A missão do Conselho Tutelar


Eleitos por suas comunidades, cidadãos comuns tornam-se verdadeiros paladinos da Justiça infanto-juvenil

Quixadá. Todos os dias, uma legião de homens e mulheres, gente simples, na maioria servidores públicos, cumprem uma difícil missão: assegurar o cumprimento dos dispositivos legais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Interior do Ceará. São Conselheiros Tutelares, eleitos por suas comunidades com o objetivo de garantir os direitos básicos, a integridade física, mental e social de crianças e adolescentes. Mas a tarefa realmente não é fácil. A opinião é unânime em todos os Conselhos no Centro do Estado.

Do direito à cidadania ao internamento de menores infratores em casas correcionais. Eles enfrentam uma diversidade de dificuldades para cumprir o essencial papel social. Da falta de estrutura material à falta de segurança. Na maioria das vezes deixam a própria família em segundo plano em busca de solução dos problemas alheios. Acabam se arriscando e odiados por muitos. Embora haja revezamento de turnos, o trabalho é desgastante, tanto quanto o enfrentado pela polícia no combate ao crime, segundo comentam os conselheiros.

"A diferença é que a polícia tem um numero bem maior de agentes. Também podem usar armas para se defender e autoridade para prender. Às vezes a gente pára e se pergunta porque realmente abraçamos essa causa. Nenhum salário do mundo paga os aborrecimentos e problemas que enfrentamos. Mesmo assim, acabamos insistindo. O sorriso de uma criança, num gesto de agradecimento, é a munição que precisamos para continuar na luta", desabafa um conselheiro pedindo para não ter seu nome revelado.

Outro conselheiro, empossado há quase quatro meses, o professor Geovane Damasceno, já sente o drama. O telefone utilizado para atender o público fica na rua, é um orelhão. Apesar dele e dos outros conselheiros de Ibicuitinga possuírem celulares, o sinal é péssimo. Mesmo assim resistem. A cidade ainda é pequena, com pouco mais de 11 mil habitantes. Quando precisam de um carro para atender algum chamado mais distante, dá para correr até a casa de algum secretário ou do prefeito, para pedirem um veículo.

Sobre o dia-a-dia do ofício, o educador lamenta apenas o estigma da população. A maioria continua rejeitando o trabalho dos conselheiros, na opinião dele, mal interpretado. Alguns chegam ao absurdo de exigir deles o cumprimento de atribuições específicas da polícia e até questões pessoais. "Certa vez um pai de uma menina queria que a gente fosse buscar a mulher dele num bar e levá-la de volta para casa. Acabamos dando um jeito", justifica o conselheiro, ponderando acerca da carência social em sua cidade.

Em Quixeramobim, os conselheiros contam com uma estrutura bem melhor. Têm até secretária. O prédio, situado praticamente ao lado do Paço Municipal, no Centro da cidade, é adequado ao atendimento das mais de 300 ocorrências mensais. Um telefone móvel também é disponibilizado ao grupo. Quando necessitam de transporte logo recebem amparo da Secretaria de Ação Social do município. Para eles, o único entrave está relacionado à baixa remuneração, em negociação.

Dentre os municípios da região, Quixeramobim apresenta o menor valor pago pelos serviços prestados. Cada conselheiro recebe R$ 350 por mês. É praticamente quatro vezes inferior ao de Quixadá, onde cada membro recebe R$ 1,2 mil. Noutros 10 municípios do Sertão Central, o valor pago pelo serviço é de R$ 465. A justificativa para o avantajado soldo, segundo a conselheira Lucilene Xavier, representante de Quixadá, está na valorização dos trabalhos de sua equipe. Sem modéstia, garante terem atuação reconhecida pela sociedade.

Mas esse reconhecimento tem seu preço. Ela e os colegas enfrentam uma verdadeira batalha no cumprimento de suas missões. São raras as vezes onde não necessitam de amparo policial. Ameaças, ofensas e empurrões se tornam cada vez mais freqüentes. Partem dos menores, drogados, apreendidos após a prática de algum delito; ou dos pais, responsabilizados pelas situações de risco nas quais deixam os filhos.

CATEGORIA
Competência é fator para definir atuação

Quixadá. O presidente da Associação dos Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares do Estado do Ceará (Acontece), Eulógio Alves de Melo Neto, definiu na palavra "Competência" a principal necessidade para os integrantes dos Conselhos no Estado. Ele confirma as carências e as distorções de salários recebidos pelo colegiado, mas aponta como prioridade o conhecimento do Estatuto da Criança. A maioria não entende suas reais atribuições.

A referência é feita principalmente aos riscos desnecessários enfrentados pelos colegas. Eulógio Neto discorda das blitze e das investigações realizadas pela classe. Em São Paulo, dois conselheiros foram assassinados ao realizarem visitas noturnas. "Esse papel é da polícia", alerta. Aprendendo os 267 artigos do ECA, poderão desempenhar ainda melhor suas funções, sem arriscar a vida", acrescenta o líder classista. Com o apoio do Ministério Público, as prefeituras deverão estruturar cada vez melhor os Conselhos de Proteção, como os núcleos de atendimento serão brevemente denominados.

O descumprimento da resolução 75 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em que são estabelecidas as regras de funcionamento do serviço, poderá acarretar inclusive no afastamento do prefeito. Eulógio Neto cita como exemplo os casos de Umirirm e Crato. O Governo Federal também poderá efetuar o corte de verbas.

Quanto às remunerações diferenciadas, o presidente da Acontece informou que tramita, no Congresso, projeto de lei estabelecendo piso para a categoria. A proposta estabelece o pagamento de 70% do valor recebido pelos vereadores ou secretários municipais. Com isso, não haverá distorções e os conselheiros não serão obrigados a negociar o salário de seus serviços.

TOQUE DE RECOLHER
Exemplos expõem os riscos do trabalho

Quixadá. "Bamba", como a conselheira de Quixadá, Lucilene Xavier, é popularmente conhecida, cita como exemplo o cumprimento do código de conduta estabelecido na Feira de Animais. É preciso coibir a prostituição infantil. O Ministério Público e a gerência do parque de agronegócios firmaram acordo estabelecendo regras para permanência de menores no local.

A iniciativa causou polêmica. Conselheiros e promotores de Justiça foram criticados por poucos e elogiados por muitos.

A reportagem do Diário do Nordeste foi hostilizada por uma permissionária da Feira ao acompanhar uma inspeção na noite da última quarta-feira. Uma criança havia sido flagrada sentada à mesa. Quando os conselheiros se aproximavam para abordá-la, o registro fotográfico era efetuado. Não sabiam ainda que a menina estava acompanhada da mãe, com um recém-nascido no colo, apenas de passagem. Mesmo assim, o filho da feirante tentou agredir fisicamente o correspondente do Diário do Nordeste, Alex Pimentel.

A comerciante, identificada como Cleolanda de Sousa, e seu filho tiveram o seu direito de comercialização suspenso por duas semanas.


Mais informações
Conselho Tutelar de Quixadá
Acontece
(85) 3259.3198
acontece.ct@hotmail.com


Fonte: www.diariodonordeste.com.br

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