Em palestra exclusiva, Paulo Artaxo tece críticas a posturas governamentais e afirma que
o “negacionismo” sobre o aquecimento global pode ter interesses político-econômicos
As grandes questões ambientais das últimas duas décadas têm girado em torno do
aquecimento global e da poluição dos solos, das águas e do ar, e de como criar um planeta
sustentável para as próximas gerações.
Desde então, os holofotes têm se voltado à
Amazônia, considerada, se não o principal, um
dos principais “pulmões do mundo”. Apenas
regiões da África e do sudeste da Ásia –
Bornéu, mais especificamente – têm
capacidade semelhante de absorção de CO2.
Desde então, surgiram até mesmo discussões
sobre a possível internacionalização dessa
área, como patrimônio da humanidade.
Em uma palestra exclusiva ao Projeto Repórter
do Futuro, no IEA-USP, em 4 de maio de 2013,
Paulo Artaxo, especialista em física
atmosférica e membro do IPCC, tratou de
questões polêmicas acerca do macrotema da Amazônia – seu foco de estudos há
aproximadamente 20 anos –, como os reflexos do aquecimento global na Amazônia e as
políticas públicas envolvidas na preservação da floresta.
Artaxo salientou como os diversos fatores relacionados ao clima (tais como os ciclos da água e
do carbono) estão intimamente relacionados mundialmente. Ele demonstrou que, como numa
espécie de “efeito borboleta”, o que ocorre na Amazônia afeta muito o que ocorre no mundo
como um todo em termos de atmosfera e clima (afinal, a Amazônia é o maior reservatório de
carbono do planeta - principal gás de efeito estufa -, onde há cerca 100 a 200 milhões de
gigatoneladas) e vice-versa. Essas inter-relações são as chamadas “teleconexões”. Assim, uma
das maiores preocupações dos especialistas do projeto LBA é como o aumento da temperatura
global tocaria esse “pulmão do mundo”, uma vez que qualquer mudança climática, como um
aumento de 3o
C, que faça as plantas da Amazônia começarem a perder carbono (ou, ainda, a
absorver mais carbono do que o seu natural) poderá causar consequências drásticas no
ambiente global:“Qualquer mudança no ciclo do carbono pode ser desastrosa(ou muito
benéfica)”.
É por essa razão que as políticas ambientais relacionadas à Amazônia adquirem uma
importância tão elevada. Embora o especialista assuma que tem havido enormes progressos
em termos de redução das queimadas e da emissão de CO2 (o Brasil foi o país da ONU que
mais reduziu esses índices desde a Conferência de Copenhagen, em 2009) – e, portanto, de
Artaxo trata do sistema físico-climático da Amazônia no IEA-USP.redução do efeito estufa –, ele afirma que ainda há muito o que ser feito com relação às
políticas públicas e à fiscalização, uma vez que é preciso manter essa taxa de declínio de
emissões.
Segundo o especialista, 56% das emissões
brasileiras são fruto de devastação da
Amazônia (o restante é principalmente
advindo de agrobusiness e de produção de
energia). Uma questão fundamental, para ele,
seria extinguir no Brasil o hábito da
impunidade aos praticantes de poluição acima
dos níveis permitidos por lei: “A legislação
brasileira de ‘proteção ambiental’ [...] é avançada. Se ela pudesse ser aplicada, seria mais que
suficiente para proteger o funcionamento dos ecossistemas. A questão é que a capacidade do
Estado brasileiro de implementar essas políticas é muito limitada[...]”. Sobre o relatório da
Cetesb, divulgado na semana passada, que demonstrava que o nível de poluição máximo do
Conama foi ultrapassado 180 vezes no ano passado, Paulo Artaxo questiona: “Quem foi punido
por isso? O que aconteceu com os órgãos reguladores, que não atenderam a própria
legislação? [...] Não é assim nos outros países [...]”. O que mais o impressiona é o fato de a
falta de punições não ser nem questionada pela população e pelos jornalistas. Caberia aos
órgãos fiscalizadores tomarem as atitudes devidas.
Ele ainda complementa que provavelmente muitos órgãos e grupos interessados em defender
as atividades econômicas não sustentáveis em detrimento das questões ambientais,
naturalmente, disseminam a “corrente cética” do aquecimento global ou “corrente
negacionista” (aquela que recusa que esteja havendo o aquecimento global ou que nega a
responsabilidade humana ou “antropogenia” sobre ele). “E isso ocorre porque é uma área em
que há interesses socioeconômicos enormes, como os da indústria do petróleo, que
movimentam em torno de 12 a 14 trilhões de dólares por ano”, além de por interesses
políticos.
No caso brasileiro, por exemplo, sabe-se que a Petrobras foi considerada uma empresamodelo no governo Lula, além de uma grande geradora de divisas – ainda que se saiba que a
extração do petróleo é uma das atividades que mais liberam gás carbônico para a atmosfera.
No entanto, Artaxo afirma que o poder de influência da comunidade científica nas discussões
em órgãos como o Conama ainda é muito pequeno.
Embora assuma as limitações da ciência, ao não poder ainda precisar qual seria o impacto de
um aumento na temperatura em um ecossistema como o amazônico nem qual é a
porcentagem de fato de responsabilidade humana no aumento da temperatura no planeta,
Paulo afirma que é melhor nos atermos aos 95% de certeza sobre a responsabilidade do efeito
estufa e evitarmos maior degradação.
Paulo Artaxo menciona também os desafios, não apenas para os cientistas, mas para os
governos, de se lançarem estratégias para a proteção desse bioma único. Segundo ele, uma
das dificuldades é aliar estratégias diversas para pontos diversos do bioma, pois esse é um
“A presença do Estado, a [...]
governança é fundamental na
questão de políticas públicas
ambientais, e nisso o Brasil ainda
tem muito a trabalhar.”ecossistema muito diverso: enquanto certas espécies vegetais reagem bem ao aumento de
CO2, outras não o suportam, por exemplo.
Um agravante para esse desafio é a lentidão das ações governamentais para a pesquisa e a
preservação da região amazônica. Um exemplo citado por ele é o caso do projeto CBA (Centro
de Biotecnologia da Amazônia), que está parado por falta de verba.
Apesar desses entraves, Paulo Artaxo permite uma visão esperançosa para a questão da
devastação e do aquecimento na Amazônia. Segundo ele, as previsões dramáticas para daqui a
5 ou 10 anos são sensacionalismo. Ele salienta que, apesar dos 17% de floresta devastados,
ainda restam 83% intocados. Cabe a nós e aos governos mantê-los assim.
Matéria cedida pela estudante de jornalismo
Amanda Lenharo di Santis,
0 comentários:
Postar um comentário